O refluxo da História restabelece a verdade

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Imagem extraída do site: https://brasilescola.uol.com.br/historia

Por: Paulo A. Santos.

Quando explodiram as chamadas “Jornadas de Junho”, eu senti que uma mudança no curso da História estava na iminência de acontecer.

Muitas pessoas também pressentiram que havia algum tipo de interferência na dinâmica das manifestações. O quadro era complexo, como peças de um quebra-cabeça que não se encaixavam. A esquerda ficou atordoada com acontecimentos que não encontravam o respaldo da realidade.

Não havia muito sentido que um movimento que começou por causa de vinte e cinco centavos, ganhasse proporções gigantescas e incendiasse o país. Inicialmente apartidário, em pouco tempo o movimento popular e legítimo haveria de ser sequestrado e ampliado pela ultra-direita reacionária.

Não havia sentido, sobretudo, por que naquele momento o Brasil era uma Suécia de proporções continentais – a economia bombava e o desemprego chegava a sua menor taxa histórica. Estava bom demais para ser verdade. O Brasil nunca estivera tão próximo de sua eterna vocação de grandeza.

Um futuro tão profetizado nas décadas passadas estava a um milímetro de nossas mãos – já sentíamos a sua energia esquentar o nosso ânimo. Pipocavam reportagens mundo à fora que retratavam o brasileiro como o povo mais feliz do mundo e o Brasil como um país admirável.

Uma série de resultados entregues pelo governo sustentavam a ideia de que o país vivia o seu mais elevado bem estar sociais. A execução de políticas sociais estava conseguindo melhorar a vida das pessoas e oferecer aos mais pobres um horizonte de possibilidades antes muito distante.

A Transposição do São Francisco, tão prometida desde os tempos do império, encontrara, enfim, alguém com a ousadia necessária para realizá-la. Aos olhos da História, somente por esse feito, o presidente Lula Presidente Lula já deveria ter o respeito e a admiração do povo brasileiro.

Levar água para milhões de pessoas é muito mais do que levar mais vida; é levar sobrevida, desenvolvimento. A água é essencial para a saúde, para o cultivo da terra, para a atividade econômica. Com toda essa potência que a água pode proporcionar ao nordeste brasileiro, o Governo deu o primeiro passo para uma grande transformação na narrativa geográfica, histórica, social, cultural e econômica do nordeste brasileiro – isso não é pouca coisa.

Com a descoberta do Pré-Sal, em decorrência de um alto grau de investimentos em pesquisa patrocinado pelo governo, o sentia que o Brasil já não poderia ser contido em sua vocação histórica para a grandeza. Algo que não poderia ser admitido pelo império do norte.

Com a continuidade dos programas sociais e o aprofundamento na inclusão social, associado a políticas de geração de emprego e renda, o Lula conseguiu emplacar a Dilma Rousseff como sucessora. Fez um excelente primeiro mandato. Com a reeleição, o PT caminhava para o quarto mandato no comando do país. Isso foi a gota d’água para quem já estava cansado de perder.

Sem aceitar o resultado das eleições, o candidato derrotado iniciou um movimento que viria a ser abraçado pela elite e por um segmento da classe média. O resultado foi catastrófico, a Presidenta Dilma foi sabotada no segundo mandato por setores do Congresso. Foi retirada de forma golpista do poder, para que os direitos sociais conquistados fossem atacados. Após isso, o que se tem visto de norte à sul, de leste à oeste é um rastro de destruição. Empregos perdidos, direitos retirados e a economia em frangalhos testemunham um gravíssimo crime contra a esperança de um povo.

Em 2018, um ano intenso, pressentimos que poderíamos ter o Brasil de volta. Torcemos, lutamos, disputamos a narrativa, mas perdemos, diante de um contexto de grande violência narrativa e de tensionamento na relação entre as pessoas. Uma enxurrada de notícias falsas contaminaram a atmosfera que já não era muito respirável. As possibilidades de diálogo e debates foram aniquiladas.

Somado a isso, acontecimentos aparentemente fabricados mudaram o curso das eleições. Hoje, no contexto da pandemia do coronavírus, em que o Brasil faz um papel vergonhoso de gestão da crise sanitária, é necessário ao país olhar para o retrovisor da História e refletir sobre as escolhas que tem sido feitas.

Sobre a Dilma, se muitos já a viam como inocente naquele processo espúrio do impeachment, hoje se pode chegar a conclusão de que ela é detentora de uma dignidade luminosa. Dilma é fonte de inspiração para os brasileiros, sobretudo, para as mulheres deste país.

Sobre o Lula, está cravado na história do mundo democrático como um dos maiores estadistas que uma democracia já pôde produzir. O seu comportamento diante de um processo kafkiano só fez reforçar a sua grandeza como pessoa, como político e líder democrático.

Lula e Dilma são patrimônios do mundo democrático.

Nunca é um desperdício lembrar que, o juiz do caso sequer conseguiu nomear o crime que motivaria a condenação, ao definir na sentença como “atos de ofício indeterminados”, tipificação esdrúxula e criminosa, inexistente no mundo jurídico, em qualquer democracia.

Mesmo inocente, o Presidente Lula, resolveu cumprir a determinação judicial de se apresentar para o cumprimento da sentença, por que sabia de seu papel histórico. “Eu quero fazer a transferência de responsabilidade”, disse ele em discurso histórico. Tinha plena consciência, naquele momento, da disputa narrativa que estava sendo empreendida.

Após cerca de 580 dias, com o advento das revelações escandalosas da #VazaJato, pelo site de jornalismo investigativo The Intercept, sem conseguir sustentar a narrativa fraudulenta, o judiciário foi de certa forma empurrado pelo refluxo da História para que tomasse a decisão de conceder a liberdade, ainda que com restrições ao Presidente Lula.

O lançamento do documentário dirigido por Petra Costa, “Democracia em vertigem”, de certa maneira organizou a narrativa de forma que se tornou constrangedor para os agentes que participaram da rede conspiratória que desviou o Brasil de seu curso histórico.

Em um outro momento, num ato falho, o ex-presidente Michel Temer, em entrevista, no tradicional de programa de entrevistas Roda Viva, afirmou não ter participado do golpe – reconhecendo discursivamente que foi golpe. Mais uma vez, a História se impôs através da narrativa.

Existe ainda, narrativas que corroboram para que a verdade se restabeleça, tal como a delação em que Lúcio Funaro, em que confessou que deu dinheiro à Eduardo Cunha para literalmente comprar deputados para o impeachment de Dilma Rousseff.

Eu sempre acreditei na afirmação poderosa que dá nome ao livro “A verdade vencerá”. Essa profecia nunca esteve tão perto de se concretizar. A História é, realmente, implacável – eu só não sabia que seria tão rápido. A verdade se restabelece e a História há de atribuir a cada qual o que lhe é devido, mais cedo ou mais tarde.

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